LOCALIZAÇÃO

    Lá para o ano 1000(aC).    
   Sempre se teve Hefesto/Vulcano por uma deidade inerente ao fogo. Desde tempos imemoriais, este elemento essencial aparecia, por sua vez, relacionado com o divino. O próprio Homero denominava Hefesto ao fogo e identificava a ambos: "Ardeu o teu cadáver adornado com vestidura de deus, com grande quantidade de ungüento e de doce mel: agitando-se com as suas armas uma multidão de heróis aqueus, uns a pé e outros em carros, em torno da pira em que te queimaste, e produziu-se um grande tumulto. Depois de a chama de Hefesto acabar de consumir-te, oh Aquiles!, ao levantar o dia, apanhamos os teus brancos ossos e deitamo-los em vinho puro e ungüento". Também noutras passagens é relacionado, frequentemente, com atividades que o próprio deus fazia para os outros companheiros do Olimpo.


O aspecto horrível de Hefesto /Vulcano fez cunhar aos cantores de mitos a frase "o ilustre coxo de ambos os pés" para referir-se a aquele..
    INICIO    

    Acerca da origem, personalidade e atributos, para dizê-lo de alguma forma, de Hefesto, há diferentes versões. A mais aceita é aquela que faz o deus filho de Zeus e da sua legítima esposa Hera. Por uma vez, o rei do Olimpo prescindiu das suas veleidades amorosas e fecundou a sua própria esposa.
  -No entanto, e segundo contam as mais ancestrais lendas, o fruto da união de tão egrégios esposos não contribuiu talvez para o entendimento de ambos, dado que as suas discussões continuaram desembocando em autênticos confrontos. Diz-se que Hefesto ficou manco, precisamente, por tomar partido a favor da sua mãe Hera numa destas ocasiões violentas.
  -Zeus, cego de ira pelo que pensava que era uma conjura familiar contra ele, teria arrojado do Olimpo o seu próprio filho, fazendo-o cair na longínqua ilha de Lenos. Como conseqüência de semelhante violência física, Hefesto partirá as pernas; por cujo motivo, desde essa altura, seria conhecido como o "ilustre coxo de ambos pés".
  -Em certas ocasiões, os deuses do Olimpo zombavam de Hefesto /Vulcano por causa da sua coxeira e pelo seu desagradável aspecto. Aleijado e feio, era objeto de contínua brincadeira. Mas o curioso é que se encontrava casado com a bela Vênus, deusa do amor; o que indica que Hefesto /Vulcano devia ter qualidades das que careciam os outros deuses que o deixavam em ridículo. Pois, caso contrário, a melhor conhecedora dos lances amorosos não teria acedido a ser sua esposa. Senão, como é que Vênus, que dava lições de amor, se ia deixar enganar com tanta facilidade?

    A FORJA DE VULCANO    

O fogo era um dos elementos essenciais cujo poder destrutivo assustava aos mortais. Estes acudiam a resguardar-se sob a protecção de Hefesto /Vulcano, quem dominava as chamas..

    Com respeito ao trabalho de Hefesto /Vulcano e da sua legendária forja, será o grande poeta Virgílio quem mais liricamente o descreva:
  -"A um lado de Sicília, entre ela e Lípara, está uma ilha célebre, situada sobre altíssimas cumeeiras que fumegam; debaixo da qual há uma grande cova e muitas outras, como as do Etna, com os ciclópeos fogos carcomidas, soam e retumbam continuamente.
  -Lá mil bigornas, com valentes golpes feridos, soam com terríveis trovões que se ouvem claro de muito longe. Ressoam pelas côncavas cavernas barras e massas de aceso ferro; saem de mil fornalhas vivas chamas: esta é a casa e a forja de Vulcano e chamam "Vulcânia" a esta ilha".
  -A tradição popular, não obstante, associa a mítica Forja de Vulcano com o vulcão Stromboli, muito ativo e sempre em contínua erupção. Da sua cratera saíam tais chamas que um pedaço de ferro que se deixasse à noite nas suas proximidades, apareceria de manhã já forjado. Hefesto /Vulcano, depois de ser expulso do Olimpo, decidiu estabelecer-se na ígnea caverna e instalar nela a sua forja. Contam as mais antigas narrações clássicas que Prometeu roubaria de lá o fogo dos deuses.

    LEGENDÁRIOS RELATOS    

Uma das mais belas representações de Hefesto /Vulcano. Representa ao deus - que, como pode apreciar-se, não tem aspecto de deficiente - mostrando à sua esposa Vênus as armas que o divino ferreiro tinha fabricado para o herói Enéias.

    Nas entranhas da mítica montanha trabalhava-se duramente; e não só se forjava o ferro, mas também o nutrido grupo de operários comandado por Hefesto /Vulcano mantinha uma febril atividade ao redor da construção de diversos objetos utilizando materiais nobres.
  -E, assim, em breve atenderão encomendas que passarão à história como verdadeiras obras de arte. Devemos trazer ao caso, pois é de lei, o mais belo dos escudos que se possa imaginar. Foi fabricado, por encomenda de Afrodite /Vênus, para defesa e orgulho do herói Eneias. Era todo de ouro e os seus relevos faziam alusão a um idílico tempo futuro que nunca pôde cumprir-se. Contra ele nada podiam as flechas nem os dardos inimigos:
  -" (. ..), e lança-lhe um dardo agudo e depois, atrás daquele, outro e outro e outro depressa, e anda em torno dele em largo cerco; mas o escudo de ouro os repara".
  -Outra das obras que saíram da mítica Forja de Vulcano foi o radiante e ostentoso carro que conduzia o filho do titã Hiperião, isto é, Hélio - personificação do Sol, que tinha por irmãs Aurora e Selene /Lua-, o qual levava quatro belos cavalos que puxavam por ele com inusitado brio e cujos nomes faziam alusão ao fogo, à radiante luz, ao calor e à claridade: "Ardente", "Resplandecente", "Brilhante" e "Amanhecer". Uma bela carruagem para Hélio, o mais célebre dos áurigas e quem melhor sabia manejar as bridas dos seus bravos corcéis.

    FRUTO DA DISCÓRDIA    

    O grande cantor de mitos que foi Homero nos fala, em "A Ilíada", da coxeira de Hefesto, em termos que diferem do estabelecido até a essa altura. Lá se descreve a desolação de Hera perante a imagem de um filho seu que, apenas recém-nascido, apresenta rasgos físicos tão deformes. Tinha sido engendrado em tempo de ira e discórdia, quando o egrégio casamento do Olimpo protagonizava violentas e contínuas discussões.
  -Atacada por um arrebato, do qual se arrependerá mais tarde, a esposa do poderoso Zeus arroja o indefeso Hefesto para o abismo do cosmos. Depois de cair durante um dia e uma noite, chegou ao grande oceano. Lá recolheram-no as criaturas que nele habitam e cuidaram dele com mimo. Construíram uma cova nas profundidades abissais do mar e, dentro desta, instalaram uma forja com vários utensílios para que Hefesto /Vulcano trabalhasse com mão de experiente artesão os metais brutos.
  -Contam as crônicas que, durante mais de nove anos, "o ilustre coxo de ambos pés", permaneceu em tão afamado lugar dedicado à tarefa exclusiva satisfazer todos os desejos das suas salvadoras. Ofereceu-lhes grande variedade de presentes saídos da sua própria mão e realizou para elas jóias de exclusivo desenho e incalculável valor.
  -No entanto, não teve os mesmos sentimentos para com Hera e, embora se tratasse da sua própria mãe, nunca lhe perdoou a sua cruel ação. Durante muito tempo procurou a forma de vingar-se dela e, por fim, um bom dia deu com a fórmula adequada: tratava-se da famosa cilada do trono faustoso.

    UM LUGAR OCULTO SOB O IMENSO OCEANO    

Só Tetis e Eurínome acolheram no seio do mar a Hefesto quando este foi arrojado desde o Olimpo..

    O agradecimento de Hefesto /Vulcano para com as nereidas que lhe tinham salvo a vida não teve limites e, sempre que se lhe apresentou a ocasião, acedeu com gosto às suas petições. Quer estas se tratassem de fabricar as armas para um dos heróis protegidos pelas povoadoras de mares e oceanos; ou bem se fosse necessário, em certas ocasiões, fabricar belos cetros, e colares, e tronos, e coroas de incalculável valor. ..
  -O próprio Hefesto descreve-nos assim os fatos: "Vi-me arrojado do céu e caí longe pela vontade da minha insolente mãe, que me queria ocultar por causa da coxeira. Então o meu coração teria tido que suportar terríveis penas, se não me tivessem acolhido no seio do mar Tétis e Eurínome, filhas do efluente Oceano. Nove anos vivi com elas fabricando muitas peças de bronze -broches, redondos braceletes, anéis e colares- numa cova profunda, rodeada pela imensa, murmurante e espumosa corrente do Oceano. De todos os deuses e os mortais homens, só o sabiam Tétis e Eurínome, as mesmas que antes me salvaram. Hoje que Tétis, a de belas tranças, vem a minha casa, tenho que pagar-lhe o benéfico de me ter conservado a vida".
  -Hefesto estava muito agradecido às suas protectoras, as ninfas do mar, e soube cumprir fielmente a encomenda que Tétis -com grandes amostras de preocupação- lhe tinha feito. Esta tinha acudido ao palácio do "ilustre coxo de ambos pés" para fazê-lo participar na sua pena e para rogar-lhe que fabricasse uma armadura para o seu filho, o valente Aquiles.

    AQUILES CESSA NA SUA CÓLERA    

"Tetis, a dos pés de prata" é confortada pelo seu esposo Peleu, rei dos mirmidones, por ter engendrado um filho tão destro e forte como o herói Aquiles.

    O grande cantor Homero relata-nos, de forma lírica, o encontro de Tétis e Hefesto /Vulcano, e as súplicas que esta lhe dirige para que o seu amado filho Aquiles cesse na sua cólera: "Tétis chegou ao palácio imperecedouro de Vulcano, o qual brilhava como uma estrela, resplandecia entre as duas deidades, era de bronze, e tinha-o edificado o "Coxo" em pessoa".
  -Depois desta descrição, o insigne poeta relata-nos o resto dos azares que terão lugar a propósito da petição e da visita de Tétis a Hefesto /Vulcano. A primeira suplica ao segundo nos seguintes termos: "Eu venho abraçar os teus joelhos para dares ao meu filho, cuja vida há de ser breve, escudo, capacete, glebas ajustadas com broches e couraça; pois as armas que tinha perdeu-as o seu fiel amigo ao morrer nas mãos dos teucros, e Aquiles jaz em terra com o coração aflito".
  -Tétis acompanhava as suas palavras com uma aflição e um pranto incontroláveis. Hefesto respondeu-lhe com a intenção de tranqüilizá-la:
  -Nesse momento dispôs-se a trabalhar e, "deixando a deusa, encaminhou-se para os foles, virou-os para a chama e mandou-os trabalhar. Estes sopravam em vinte fornos, despedindo um ar que avivava o fogo e era de várias classes: umas vezes forte, como o que se necessita para trabalhar depressa, e outras, ao contrário, segundo Hefesto o desejava e a obra o requeria".

    RELEVOS NO ESCUDO RELUZENTE    

Uma das cenas que Hefesto gravou no escudo de Aquiles rememora a alegria das donzelas e mancebos que se divertiam bailando..

    Depois, e segundo contínua explicando Homero, "O deus pôs ao fogo duro bronze, estanho, ouro precioso e prata; colocou no meio a grande bigorna e pegou com uma mão no pesado martelo e com a outra as tenazes.
  -Fez primeiro um escudo grande e forte, de variado labor, com tripla cenefa brilhante e reluzente, provido duma abraçadeira de prata. Cinco camadas tinha o escudo, e na superior gravou o deus muitas artísticas figuras, com sábia inteligência.
  -Lá pôs a terra, o céu, o mar, o sol infatigável e a lua cheia; além, as estrelas que o céu coroam. ..
  -Lá representou também duas cidades de homens dotados de palavra. Numa celebravam-se casamentos e banquetes: as noivas saíam dos seus quartos e eram acompanhadas pela cidade à luz de tochas acesas. ..
  -A outra cidade aparecia cercada por dois hirsutos, cujos indivíduos, revestidos de reluzentes armaduras, não concordavam: os do primeiro queriam arruinar a praça, e os outros desejavam dividir em duas partes quantas riquezas encerrava a bela povoação. ..
  -Representou também uma mole terra nova, um campo fértil e vasto que se lavrava pela terceira vez. ..
  -Gravou do mesmo modo um campo de crescidas searas que os jovens ceifavam com foices afiadas: muitas molhadas caíam no chão ao longo do sulco, e com eles formavam fardos os ceifeiros.. .
  -Também recortou uma bela vinha de ouro, cujas cepas apareciam carregadas de negros cachos".

    A ARTE DE HEFESTO / VULCANO    

As mais duras e reluzentes armas, os escudos e cascos mais resistentes dos quais fabricou Hefesto por encomenda de Tetis, mãe de Aquiles, para que este legendário herói aplacasse a sua ira..

    O relato continua com a mesma carga de lirismo que tudo o até aqui exposto:
  -"Representou depois um rebanho de vacas de erguida cornamenta: os animais eram de ouro e estanho e saíam do estábulo mugindo para pastar nas margens de um sonoro rio, junto de um oscilante canavial.
  -Fez também "o ilustre coxo de ambos pés" um grande prado em belo vale, onde pastavam as cândidas ovelhas, com estábulos, choças com teto e currais.
  -Representou, depois, um grupo de mancebos e donzelas executando um belo baile; estas levavam ligeiros vestidos de linho e aqueles cobriam-se com belas túnicas. Um divino aedo cantava, acompanhando-se com a cítara. ..
  -Na orla do sólido escudo representou a poderosa corrente do rio Oceano.
  -Depois de construir o grande e forte escudo, fez para Aquiles uma couraça mais reluzente do que o resplendor do fogo; um sólido capacete, belo, lavrado, com a cimeira de ouro, que se adaptasse às têmporas do herói. ..
  -Assim que Hefesto entregou as armas a Tétis esta saltou, como um gavião, levando a reluzente armadura que o ilustre Coxo tinha construído. E, assim, chegou ao lugar onde o seu filho velava o companheiro morto. Com gesto complacente, entregou-lhe a apreciada carga. As armas lavradas produziram um ruído metálico que assustou todos os presentes; exceto o valente herói que, ensimesmado, dispôs-se a contemplar a reluzente armadura.

    UM TRONO COM CORRENTES    

    Hefesto, ao sentir-se relegado ao esquecimento pela sua própria mãe, procurou a maneira de dar uma lição a Hera por ter cometido tão deplorável ação.
  -Foi assim como construiu um trono belo e reluzente, e tão cômodo que incitava a sentar-se quem o olhasse. Enviou-o como presente à sua própria mãe e esta sentiu-se imediatamente atraída por tão singular cadeirão.
  -Sentou-se placidamente e notou os seus efeitos relaxantes; permaneceu assim, em atitude serena e de meditação, por um espaço incalculável, e nem sequer se notava da passagem do tempo.
  -Mais, quando se dispôs a levantar-se do fofo assento, experimentou uma tensão que lhe impedia qualquer movimento. Depressa comprovou que umas, até essa altura invisíveis, correntes a cobriam por todos os lados e formavam uma espécie de tupida rede que a aprisionava com as suas malhas de metal nobre.
  -Hera ensaiou todos os tipos de artes e estratagemas para livrar-se dos efeitos de semelhante invento. Mas de nada lhe serviram; todo o seu saber resultava inútil e vão perante tão insólita situação. Já pensava em resignar-se, enquanto pedia ajuda aos outros deuses do Olimpo, quando se deu conta de que só Hefesto /Vulcano era capaz de construir tão sofisticado trono. Pensou que tudo aquilo fazia parte de um plano que o seu próprio filho tinha tramado para vingar-se dela. Recordou, então, o seu mau comportamento para com ele e, ao sentir-se apanhada, suplicou ao resto das deidades que intercedessem perante Hefesto /Vulcano para libertá-la de tão apertadas ataduras.

    O FRUTO DA VIDE    

Só o vinho que Dionísio colheu e elaborou com esmero pôde dissuadir a Hefesto a seguí-lo até o Olimpo. Uma vez lá soltou as correntes que tinha fabricado para reter a Hera atada ao faustoso trono de ouro e pedraria..

    Antes de acudir ao mais avisado dos ferreiros, ao "ilustre coxo de ambos pés", os deuses do Olimpo provaram todos os métodos que possa imaginar-se, tentando conseguir a libertação de Hera.
  -Tudo foi inútil, e nem sequer o poderoso raio de Zeus conseguia fazer aberturas nas correntes que Hefesto /Vulcano tinha fabricado. Ninguém conhecia a liga dos metais empregados nem as proporções da mistura. E, assim, era impossível imaginar qualquer idéia a esse respeito e a obtenção de resultado satisfatório algum.
  -Depois de reunir-se durante algum tempo, os deuses do Olimpo decidiram pedir a Hefesto que regressasse à montanha idílica, da qual tinha sido expulso tempo atrás sem contemplações, isto é, dum pontapé.
  -Mas Hefesto não aceitou o convite das deidades olímpicas, pois considerava que não atuavam por próprio convencimento, mas pressionadas -na sua opinião- pela magnitude dos fatos e pelo poder que sobre todos exercia a protagonista principal. De resto, ele sabia que foi ontem mesmo, para dizer dalguma forma, quando se riam do seu ar externo e da sua coxeira; e, assim, decidiu não satisfazer os requerimentos dos deuses do Olimpo.
  -Então, estes tramaram um plano que obteria os resultados esperados. Decidiram encarregar a sua execução a Dionísio, considerado como o descobridor do vinho, que foi visitar Hefesto à sua colossal forja. Este, por causa do calor que estava lá dentro, aceitou a bebida que o seu acompanhante lhe oferecia e saboreou-a com fruição. Conforme contam as lendas clássicas, sentiu-se pleno de euforia e acompanhou Dionísio até ao Olimpo. Entrou montado num asno e dirigiu-se imediatamente para o lugar onde Hera estava encadeada e, com sábia mão, soltou todas as ataduras do seu reluzente trono, pelo qual a deusa ficou livre da rede e das correntes, que jaziam amontoadas no chão. Mãe e filho viveram, desde essa altura, reconciliados e em harmonia.

    UMA REDE INVISÍVEL    

O poderoso Zeus tinha destinado a Vênus para esposa de Hefesto. A formosura desta atraía os olhares de todos os outros deuses, mas Vênus só concedeu os seus favores a Ares /Marte, o deus da guerra. Hefesto se sentiu enganado e fabricou uma rede invisível que aprisionou aos dos amantes..

    Mas Hefesto /Vulcano teve outras experiências, também dolorosas para ele, relacionadas com belas mulheres. Tinha sido Zeus, o rei do Olimpo, quem lhe tinha dado Afrodite /Vênus por esposa e embora esta, ao princípio, não tivesse aceito de bom grado tal decisão - devido à feiúra e à coxeira do seu futuro marido -, nem por isso via com maus olhos o "ilustre coxo de ambos pés", uma vez que já o tinha conhecido e tratado.
  -Mas a beleza de Afrodite não passava inadvertida para o resto dos deuses e, uma e outra vez, era assediada por pretendentes egrégios. Bem é verdade que a própria deusa não opunha excessiva resistência perante certas solicitudes. Talvez fosse o caso dos seus amores com Ares /Marte, o qual foi atacado por tal ofuscação perante os encantos de Afrodite /Vênus que decidiu torná-la sua amante e esquecer que era a esposa do melhor e mais trabalhador dos ferreiros que no mundo, e na lenda, existiram.
  -Hefesto/Vulcano soube imediatamente o engano de que era objeto por parte da sua bela esposa -pois, no dizer dos narradores clássicos, era imediatamente informado pelo Sol que, das alturas, via tudo-, e decidiu comprovar por si próprio até onde chegava tal encantamento, e se este era passageiro ou, pelo contrário, tinha ares de perpetuar-se no tempo.
  -Foi deste modo como chegou a surpreendê-los "nos braços um do outro"; e, assim, já sob uma perspectiva objetiva, concluiu que lhes daria um lição, pois não podia suportar tal escárnio com passividade. É certo que os outros deuses do Olimpo se riam e zombavam na sua própria cara, por causa da infidelidade de que era objeto por parte da sua mulher, mas isto não preocupava absolutamente nada a Hefesto /Vulcano. O que verdadeiramente lhe importava era a forma de encontrar a melhor maneira de dar uma lição aos dois amantes. Mas como é que podia enfrentar Ares /Marte, se era nada menos do que o deus da guerra? Estava claro que desafiar o seu oponente a um combate corpo a corpo significava a total derrota de Hefesto. Tinha que procurar, portanto, outro método mais hábil e prático.
  -E foi assim como o engenho do "ilustre coxo de ambos pés" se aguçou ao máximo. E concebeu um plano à sua própria medida, cheio de arte e de imaginação. Para tal efeito, dispôs-se a misturar metais de diversas propriedades e procedências. Com eles fundidos conseguiu fabricar uma rede de textura invisível que tinha, não obstante, o poder de imobilizar quem caísse nas suas imperceptíveis e finas malhas.
  -Como, numa ocasião, o Sol, lá do alto, avisara Hefesto da presença de Marte e Afrodite em certo recôndito e escondido lugar, o "ilustre Coxo" foi lá e arrojou a sua rede sobre eles. Ficaram imediatamente presos por invisíveis fios e Hefesto correu a avisar todos os outros deuses do Olimpo para contemplarem o amancebamento de ambos amantes. Depois de chegarem ao lugar, desataram em sonoras gargalhadas, à vista de tão febril espetáculo. Afrodite /Vênus sentiu tal vergonha que, assim que se viu livre, fugiu daquele lugar e daquele amante.

    VULCANO É O HEFESTO ROMANO    

    Uma série de fábulas, reunidas através dos tempos e propagadas de geração em geração, mostra-nos a diversidade de lendas em que se viu envolvido o deus Hefesto /Vulcano. Entre estas, talvez a mais importante devido à transcendência de tal fato, é aquela que atribui à célebre deidade a confecção duma espécie de bonecos de ouro, tão semelhantes aos próprios mortais que não poucos, entre os autores clássicos, identificaram com os verdadeiros seres humanos e a sua criação.
  -Os romanos, não obstante, continuam a tradição grega e consideram Hefesto como o deus que eles alcunharam Vulcano, e a quem conferem o poder sobre o fogo.
  -O próprio raio poderoso de Zeus /Júpiter seria obra de Vulcano. Também o resplandecente e suntuoso carro do Sol seria obra de tão maravilhoso artífice. Vulcano aparecia sempre, em definitiva, relacionado com o fogo e seu poder; embora alguns poetas romanos da época clássica -entre os quais se encontra Ovídio com a sua obra "A Eneida"- associam também Vulcano com a força das tempestades e seus relâmpagos, dos vulcões e suas estrondosas erupções e dos terremotos e sua força destrutora. Em não poucas ocasiões foi identificado com o próprio Hélios /Sol.
  -Não faltou quem associasse Vulcano com a água e, em tal caso, era reconhecido como a deidade que personificava as águas do famoso rio Tigre, que regava a região do Lácio com o seu abundante caudal.
  -Os romanos também reconheciam Vulcano como o deus salvador em tempos de conflitos bélicos; o qual implica que rejeitavam a representatividade de Marte neste campo; e em qualquer caso estava considerado como um deus útil e que se venerava porque se esperavam dele dádivas e dons relacionados com o aspecto prático e material. Por exemplo, era Vulcano quem tinha capacidade para extinguir um incêndio e, também, para provocá-lo.
  -Segundo a zona de que se tratasse, Vulcano tinha, para os romanos, um ou outro sentido. Por exemplo, nas regiões de Lípari, Sicília e Etrúria, era reconhecido como deus do fogo e como o forjador de ferro que ninguém podia imitar. Habitava nas entranhas do vulcão Etna, e nas suas profundidades tinha a ígnea forja alimentada com inumeráveis fornos onde o fogo permanecia continuamente vivo.
  -Nalguns dos territórios conquistados pelos romanos, por exemplo na Gália, adorava-se Vulcano também como deus do fogo, e como personificação dos vulcões, os raios e a luz cegadora de Hélios /Sol. O que indicaria, em qualquer caso, o mimetismo dos vencidos com respeito aos conquistadores dos seus territórios.

    HEFESTO /VULCANO NA ARTE    

"A Forja de Vulcano", de Velázquez. Na obra se colhe a cena mítica mediante a que, por intermédio de Hélios /Sol, se informa da infidelidade de Vênus, e o seu esposo Hefesto /Vulcano..

    A iconografia da deidade que estamos considerando, e há suficientes provas disso, representa Hefesto /Vulcano quase sempre com uma figura cuja coxeira não aparece por nenhum lado. Até ao ponto em que as primeiras manifestações artísticas do deus podem dar lugar a confusões, dado que este aparece com a figura duma pessoa cheia de força e geralmente com o rosto coberto por uma barba comprida. Nas suas mãos costuma portar umas tenazes enormes ou um martelo.
  -Em outras ocasiões, os seus atributos também costumam ser a bigorna e o fogo; assim aparece em algumas das pequenas esculturas de bronze que se conservam nos museus de Berlim, Londres e Vaticano.
  -Outra das representações mais freqüentes de Hefesto /Vulcano é aquela em que aparece relacionado com as crateras, ou enormes ânforas, que continham o doce néctar reservado aos deuses do Olimpo. Também, em ocasiões, aparece representada a cena em que Hefesto /Vulcano se dirige para o Olimpo: a sua figura aparenta certa alegria devida ao vinho que Dionísio lhe ofereceu.
  -Contudo, a mais conhecida representação de Hefesto /Vulcano é aquela que aparece no famoso quadro de Velázquez - e que se conserva no Museu do Prado de Madri - intitulado "A Forja de Vulcano". No conjunto pode observar-se como Hélios /Sol informa o "ilustre Coxo" da infidelidade da sua esposa Afrodite.
  -Entre os gregos era muito comum representar Hefesto nas suas moedas. E era adorado em algumas das cidades mais destacadas daqueles tempos. Na região de Meandros, por exemplo, era invocado nos diferentes cultos e faziam-se procissões em sua honra. Outros centros importantes onde se adorava o deus Hefesto /Vulcano eram as regiões do Olimpo, Atenas e as ilhas Lípari. A moeda cunhada com a sua efígie provinha de algumas destas cidades.
  -Às vezes, também apareceu a deidade que estamos considerando mencionada em inscrições relacionadas com os famosos Mistérios e, dado que a ilha de Lenos é citada nas obras de Homero como um dos lugares onde Hefesto morou e amou, diz-se que foi lá onde o seu culto teve mais arraigo.


Fim